A polêmica do surf no Dilúvio

Deu o que falar o dito surf no Dilúvio que rolou na quinta-feira (19 de novembro) em Porto Alegre. O mais legal da história foi a resposta do protagonista, o publicitário Juliano Didonet (que se imaginava que fosse, assim como o resto de sua trupe,  um playboy desmiolado que não tinha mais nada a inventar quando se viu entediado num dia de chuva) no jornal  Zero Hora desta segunda-feira:

“Li a ZH de hoje e vi que assim como algumas pessoas na internet vocês condenaram o surfe no Dilúvio. Porque é sujo e se corre risco de doença. Mas acham que nós não sabíamos disso? Nossa intenção era nos protegermos e chamarmos a atenção da sociedade para a podridão do lugar e para mostrar que esportes podem ser praticados lá, se for despoluído. Muita gente com a cabeça mais aberta se ligou nisso e adorou. Já outras, como vocês, em vez de criticar cem anos de sujeira e poluição descontrolada no arroio, criticar anos e anos de governos distintos que nunca deram bola pra isto, preferiram criticar os jovens que realizaram a façanha. É incrível a cabeça pequena e a visão de cavalo de carroça de sempre. Que isso seja uma crítica construtiva a quem não pensou direito sobre isso.”

Dei uma vasculhada na internet e além da reportagem publicada na sexta-feira sobre o surf, encontrei um post de uma daquelas blogueiras-colunistas-bobinhas da ZH,  alfinetando o feito dos surfers. Acredito que o bicho também pegou no Twitter, como é de praxe atualmente. Mais informações, vídeo e fotos aqui.

O ócio nosso de cada dia

Hoje amanheci sem planos. Fiz meu zazen até as 8h30m  e saí para correr na Redenção.  Voltei e acabei passando o resto da manhã lendo jornais, respondendo e escrevendo emails e twittando. Aí a Thais fez uma boa surpresa e veio almoçar aqui, assistimos demoradamente à tevê, e depois fomos ao campus do Vale pegar uns livros que nem planeja pegar e encontrar amigos que coincidentemente estavam lá. Voltei agora há pouco.

Em resumo: a semana começou com pouco – ou quase nenhum – trabalho e muita curtição. Bem ao contrário da tendência comportamental publicada em uma matéria da ZH  de hoje, que a Thais leu para mim enquanto eu preparava nosso almoço. Segundo o jornal, o excesso de trabalho é maior causador de stress em Porto Alegre do que a violência. Mais de 20% da população afirma viver na iminência de um ataque de nervos, e metade desta só consegue relaxar tomando remédios.

pausa para observação: ironicamente, o jornal em questão pertence a um grupo de comunicação que faz alguns de seus funcionários trabalharem mais de dez horas por dia e já sofreu um processo em SC por trabalho escravo.

Não ficaremos ricos, é verdade, mas é bem provável que ninguém que trabalha honestamente ficará algum dia – seja trabalhando pouco ou muito. A conduta de excesso de trabalho não é apenas equivocada: é verdadeiramente criminosa, pois faz com que outras pessoas fiquem sem trabalho algum.

Da próxima vez que alguém se atrasar para um compromisso contigo e se justificar dizendo que precisou ficar até mais tarde no trabalho, seja firme, olho nos olhos  e diga a verdade: “por favor, não seja mais imbecil assim”. Libertem-se dos patrões – principalmente dos patrões que cada um carrega dentro de si. Vadiem bastante e sejam felizes.

Texto: Ale Lucchese

MorroStock 2009

morrostock01Estas fotos foram feitas para uma um cobertura abortada do MorroStock, festival de rock que acontece anualmente em Sapiranga (RS). Fui para lá no dia 09 de de outubro para ficar três dias. Acabei voltando na tarde seguinte: infelizmente o MorroStock não tinha as proporções que eu imaginava, e assim não conseguiria publicar algo sobre ele no meu veículo-alvo. Reconheci meu erro, desmontei a barraca e caí fora.  Ao chegar em casa descobri que as fotos ficaram melhores do que eu esperava, foram feitas com uma sony doméstica, sem nada de especial, mas registraram com dignidade o momento.

morrostock07Um punk-headbanger se empolga solitário no primeiro show da noite

morrostock05As coisas se animam mais com Os Replicantes no palco

morrostock04jpgMomento aguardado pelos metaleiros: Hibria não decepciona

morrostock03O grande momento: Mukeka di Rato

morrostock06Frio bagaráio

morrostock02Café da manhã

Texto e fotos: Ale Lucchese

Os-Estrangeiros-entrevistam: Arthur Simões- 2 de 2

Continuação da entrevista de ontem com Arthur Simões, mente sã que passou mais de três anos na estrada completando a volta ao mundo de bicicleta. Curtam:

Laos - Descansando_7

Arthur descansando no Laos

Como foi a questão do roteiro? Havia um programa inicial? Foi possível seguir a programação?

Já tinha um programa no projeto inicial, até porque você tem que levar tudo detalhado para dar ao patrocinador uma certa credibilidade. Então eu tinha isso bem detalhado, não só de países, como também de cidades que eu passaria e tudo mais. Mas teve uma reviravolta no projeto um mês antes de eu sair. O projeto começava em 03 de abril, e eu sairia de Londres, em direção ao leste, dando a volta o globo sempre indo para o leste. Daria pra saber que a realização do projeto em si tinha custado bastante, e tinha usado praticamente todo o meu dinheiro. Quando eu coloquei meus pés na estrada, eu tinha sei lá… cem reais na minha conta, não tinha nada! [risos] E o patrocínio tinha ficado de me pagar a partir do momento em que eu estivesse pedalando. E quando você lida com empresa também tem um punhado de burocracia, uma série de papelada… Mas, como eu  já previa que iria sair sem grana, eu vi que não daria para eu pegar um avião pra Londres, que é uma das cidades mais caras do mundo, para ficar ali me aclimatando para depois viajar na Europa. Seria muito caro, não iria dar certo. Então eu tentei negociar com o patrocinador, mas eles não quiseram adiantar, aí eu falei “o único jeito vai ser começar daqui e inverter o trajeto”. Então, ao invés de ir pra leste, eu resolvi ir para oeste. Comecei aqui no parque Ibirapuera, no Monumento das Bandeiras, indo para a América do Sul, que foi realmente uma escolha mais inteligente. Até porque você tem que ir aos poucos se acostumando, especialmente em relação aos choques culturais. Começar aqui na América do Sul, em países católicos, colonizados por nações latinas, que falam espanhol: foi um bom começo, na realidade.

Chile - Sozinho no Deserto do Atacama_2

Sozinho no deserto do Atacama (Chile)

Chegou a adoecer durante a viagem?

Sim, algumas vezes [risos]. Eu não peguei nada de muito grave, não peguei nenhuma dessas doenças mais inóspitas. Peguei ameba três vezes… Mas meus maiores problemas foram problemas alimentares. Aqui no Brasil, talvez o maior problema foi o fato de eu ser vegetariano. Fui vegetariano durante três anos, e foi durante a viagem que eu voltei a comer carne, aqui na América do Sul. Porque, não demorou muito e eu descobri que quando você está nessa situação tem que comer o que tem, não tem muito o que escolher. Tem cachorro, vai comer cachorro; tem camelo, vai comer camelo; enfim, vai comer o que tiver. Ainda mais pra quem ta pedalando, o alimento era mais que comida pra mim: era o meu combustível…

E voltou a ser vegetariano?

Não, ainda não [risos]. Agora não, mas eu não como muita carne, nunca comi muito.Eu nunca tinha tido problema alimentar, e durante a viagem só tive isso. Não peguei nenhuma vez gripe, peguei um ou dois resfriados. Depois eu fiz uns exames na Europa e constataram que eu até peguei malária, mas meu sistema imunológico estava tão forte que a malária nem se manifestou. Era uma malária branda, se pegasse uma das “boas” talvez tivesse que ficar de cama um bom tempo. Tinha uma série de riscos, mesmo assim não fiquei tão doente quanto se espera, mas em relação à comida não teve jeito, peguei giárdia… peguei uma série de bactérias…

Yemen - Ajuda do exército local_11Ajuda do exérdito local (Iêmen)

E como foi o preparo físico pra sair para a jornada?

Eu não me preparei tanto quanto eu queria, na verdade. Eu já tinha um preparo bom, era professor de ioga, levava uma vida saudável, mas me preparei mais ao longo da viagem. Quando eu comecei, iniciei com distâncias mais curtas, e essas distâncias foram aumentando. Mas também é uma adaptação rápida, se você não tem vícios, não fuma, não bebe muito… Se você não tem vícios, o corpo se adapta de uma maneira bem rápida, da mesma forma que se desadapta. Se você pára, acaba perdendo essa forma de maneira bem rápida, você sente uma diferença significativa. Mas, muito mais do que uma preparação física em si, existe uma preparação psicológica muito grande. E nisso eu não posso negar que o ioga deu uma base boa. Na verdade, o preparo físico acaba indo bem depois que você pega o condicionamento. Tem um momento que o corpo se transforma numa máquina, depois de uns dias pedalando sem descanso. Mas o emocional não tem uma adaptação como o corpo, ele não se transforma, não fica super forte. É bem complicado você ter que lidar com desapegos… Quanto mais tempo você fica longe, parece que mais difícil fica pelo lado emocional; e em relação ao corpo, quanto mais você pratica, melhor fica. Eu tinha 24 anos quando saí para a viagem, e nessa idade o pessoal ta se formando ou se formou, ta indo procurar trabalho, ta com uma namorada ou indo morar sozinho, as mulheres já estão querendo uma relação mais séria… As coisas estão indo pra esse sentido, e eu resolvi remar contra a maré, cara. Fui para um lado completamente oposto, larguei namorada, larguei trabalho, larguei expectativa, larguei tudo e fui pro mundo com uma bicicleta e só. Você lidar com esse fato de não ter um endereço, não ter um telefone, não ter um lugar para ir quando a coisa apertar, do tipo “to com problema, vou passar um final de semana na casa dos meus pais”: não tem mais… Essas coisas no começo não fazem diferença nenhuma, mas com o tempo você vai pensando “pô, o que um mais queria era um arroz com feijão”, “o que eu mais queria era trocar uma idéia com um amigo”, “o que eu mais queria era falar português”- às vezes eu passava seis meses sem falar português. São coisas extremamente simples que você não tem…

Bolívia - Salar de Uyuni_1Siesta no Salar de Uyuni (Bolívia)

E como tu te sente hoje em relação a isso? Tu te fortaleceu de outras maneiras?

Sim, eu acho que teve uma série de mudanças em relação a perspectivas, a limitações. Acho que me fortaleceu por um lado, mas me sensibilizou muito. Hoje em dia, eu vejo morador de rua aqui e me dá uma sensação extremamente ruim, às vezes até quase choro de ver essa gente na rua. Isso era uma coisa que eu não sentia, não tinha nada disso. Não sei se é a palavra certa, mas acho que desenvolvi compaixão, uma certa sensibilidade em si, de estabelecer um vínculo com o próximo, até com quem você nem conhece, mas pelo simples fato de ser um ser humano. Acabei descobrindo que a diferença entre alguém que está na rua e eu que estou aqui é zero.

Egito - Subindo o Monte Sinai_3Subindo o Monte Sinai (Egito)

A gente estava aqui te ouvindo e sentiu muita identificação, porque as pessoas acabam seguindo linhas de destino muito semelhantes, e quando tu escolhe outro caminho, é muito difícil de seguir, de bancar essas decisões. Tu te sente um estrangeiro?

Há tempos, viu. Quando eu cheguei eu me senti mais, especialmente quando eu cheguei na Bahia, e muitos baianos me chamavam de espanhol, é bem complicado. Eu me senti um estrangeiro durante muito tempo. Faz quatro meses que eu cheguei em São Paulo, então não faz tanto tempo, pra quem ficou tanto tempo fora. Não é que eu me sinta um estrangeiro, eu sinto que eu não tenho raízes fortes aqui. Eu não me sinto um estrangeiro, mas não me sinto mais tão brasileiro…

Paquistão - Novo ciclista_8A bike encontrou novos adeptos no Paquistão

Não te sente parte disso?

É eu não me sinto parte disso aqui mais, esse é o fato. Quando eu saí daqui, eu até escrevia nos meus diários “sou brasileiro” e tal, e hoje em dia eu não escreveria nunca isso. Existe uma mudança em relação às limitações, as fronteiras caem, de uma certa forma. Eu estar aqui, ou estar na França ou no Paquistão não é tão diferente. Tem uma frase interessante do Jean-Paul Sartre que é “não importa o que a vida fez com você, mas o que você faz com que a vida fez com você”, e eu acho que é um pouco por aí: não importa onde você está, é o que você faz no lugar que você está. Não importa se é aqui, na França, no Paquistão, na Tailândia ou na Malásia já não é mais tão diferente. Porque quando eu voltei pra cá eu tive que me adaptar de novo aqui, da mesma forma que eu me adaptava em outros países, porque eu não voltei pro mesmo lugar. É aquela história de que ninguém entra no mesmo rio duas vezes: eu já era diferente, e a realidade aqui mudou, não só os preços subiram, como as pessoas mudaram.

E tu também mudou, né…

Especialmente eu, mas as pessoas também mudaram. Agora alguns amigos estão casados ou tem filho já, essas pessoas já tem uma família, tem outra prioridade. Quando eu estava aqui, eu ia pra balada com essa galera, hoje em dia essas pessoas tem outras prioridades, assim como eu também tenho outras. Então não importa onde você está, você está sempre criando seu futuro a partir do presente, você está sempre construindo teu futuro.

Fotos: Arthur Simões
Texto abertura: Ale Lucchese

Coro fechado

Entre grades de cerveja, garrafas de uísque e costelões na brasa foi concebido a primeira produção cinematógráfica realezense – pelo menos a primeira que se tem notícia. O curta foi feito num transe em busca de uma identidade cultural do sudoeste do Paraná – para quem não sabe, fui concebido e virei gente numa cidade de lá chamada Realeza. Sempre coexistimos entre bailões, estradas de terra vermelha, preconceitos e largas e venturosas avenidas de Sessão da Tarde. Se estivesse vivo, Glauber Rocha e Tarantino seriam melhores amigos – na verdade, trabalho com a hipótese de que seriam amantes. Assista:

Ato 1 de 3

Ato 2 de 3

Ato 3 de 3

Texto: Ale Lucchese
*Mil agradecimentos ao Cocoon por disponibilizar no youtube.

Os-Estrangeiros-entrevistam: Rebeca Rasel

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Artista plástica de 28 anos, Rebeca Rasel tem sido um dos nomes responsáveis por casar o uso de câmera de baixa fidelidade com produções e intervenções artísticas no Brasil. Tanto é assim que ela foi uma das selecionadas para representar o país na Lomo LC-A+ Race, iniciativa do site lomography.com que está fazendo a fetiche-câmera Lomo rodar o mundo.

Topei com Rebeca em uma pesquisa sobre lomografia para uma matéria que estou preparando sobre o assunto. Mestre em Artes Visuais pela UERJ, a artista carrega uma estreita ligação pessoal com a fenômeno lo-tech e o interpreta de maneira original e inteligente, como você vai ver nos trechos a seguir de nossa entrevista:

Sei que você é artista visual, mas não sei em que medida as câmeras de baixa fidelidade se inserem em seu trabalho. Gostaria que você explicasse melhor essa relação.

Sempre gostei do analógico, do low-tech, do antigo. Aos 10 anos, por exemplo, ganhei uma [máquina de escrever] Olivetti. E mesmo em épocas onde o computador já era parte da casa, dediquei meu tempo às cartas em máquina de escrever. Outro exemplo é minha coleção de vinis: em meio às pilhas de cds e mp3, é com prazer que ouço as texturas (e arranhões) de cada faixa do disco. E, em meio aos dispositivos digitais, é com minha primeira câmera, uma Minolta, herdada de meu avô, que guardo meus melhores registros. Cultivo esses hábitos e memórias até hoje. Nostalgia apenas? Acho que não…

Também sou adepta das feiras de antiguidades (aqui no Rio de Janeiro frequento a Feirinha da Praça XV aos sábados, no centro da cidade; em São Paulo, conheci a Feirinha do Bixiga que acontece aos domingos no bairro do Bixiga), pois me surpreende a diversidade de objetos que a cada dia são descartados e, de certa maneira, resignificados pelas pessoas, principalmente pelos artistas visuais.

Dessa forma, a fotografia analógica e o ‘low-tech’ são consequencia de minha memória e cotidiano. Mas, certamente, não descarto a praticidade e a óbvia qualidade de imagem obtida com os dispositivos digitais. São procedimentos distintos, claro, e ambos produzem resultados que despertam o meu interesse.

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Como foi a seleção para a LC-A+ Race?

Meu envolvimento com o LC-A+ Race, promovido pelo site Lomography,  se deu em meio a uma conversa com um amigo iraniano, Sohrab Mostafavi, que, além de trabalhar com fotografia e vídeo em seu país, tem um grande interesse pela Lomografia. Nunca iria imaginar que no Irã houvessem tantos intessados por esta prática, então, comecei a pesquisar no site Lomography os álbuns de artistas daquele país. Em meio às buscas, vi algumas chamadas sobre a LC-A Race. Escrevi para Ron Cruz, um dos organizadores/produtores do evento e, algum tempo depois, acho que um mês ou dois, recebi um email dizendo que fui selecionada para integrar o time de lomógrafos da América do Sul nesta LC-A Race. Fiquei muito surpresa! E recebi no mês de julho uma câmera Lomo LC-A para participar desta ‘corrida’. A câmera é incrível! Dentre as câmeras lomo que já utilizei, a LC-A foi a que apresentou os melhores efeitos de cores, mesmo em um filme comum de 35mm. Enfim, foi uma experiência e tanto, mas em apenas poucos dias, pois a câmera precisou seguir seu trajeto na corrida – em agosto a câmera esteve com o fotógrafo Julio França (SP) e, desde então, segue para outros estados brasileiros e também Argentina e Chile.

O que mais te encanta nas câmeras de plástico? O que você considera a grande vantagem em relação ao digital? O que considera desvantagem?

Para um fotógrafo profissional talvez não seja interessante trabalhar com um dispositivo que tem como marca a imprevisibilidade de seus registros (por exemplo, é comum que uma câmera lomo tanto “estoure o contraste” como produza áreas e bordas excessivamente escuras no frame), mas creio que esta aparente precariedade na construção da imagem seja propícia a todo um segmento de jovens artistas visuais e fotógrafos (chamados “experimentais”) que encontram nestes “acasos” e imprevistos um projeto artístico singular e em potencial.

No entanto, por essa aparente facilidade em se trabalhar com lomos, é comum encontrarmos comentários como “Ah! Isso eu também faço” (porque é até possível, com a ajuda do tal “acaso”, que se obtenha um ótimo resultado) ou quaisquer outras falas depreciativas destinadas aos fotógrafos experimentais. Concordo que há uma linha tênue entre o belo acaso e a boa fotografia, mas, se pensarmos que um artista não é feito apenas de uma única boa idéia (ou seja, de uma única boa foto resultante de uma câmera low-tech, por exemplo), será mais fácil perceber que para ser um bom artista é preciso que haja uma poética, um campo de pensamento, enfim, que a cada dia haja um desdobramento de tudo aquilo que o artista planejou e/ou intuiu. Realmente não basta apenas uma boa idéia. Trabalhar com arte é bem mais complexo que isso. É todo um processo – e pra toda a vida, inclusive.

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Encontre mais material de Rebeca Rasel em:

http://rebecarasel.blogspot.com (blog)

http://marciarebeca.blogspot.com (parceria com Marcia Abreu)

http://www.lomography.com/homes/rebecarasel (fotos aleatórias no lomography.com)

http://www.chiarotrends.com.br/ (blog sobre moda, arte, música e design no qual é colunista.

Fotos:  Rebeca Rasel  –  câmeras:  Fisheye (foto 01), ActionSampler (foto o2), LC-A+ (foto 03 e 05), e Zenit (foto 04).
Texto: Ale Lucchese

Carneando na campanha

Definitivamente,  os Estrangeiros estão em todas as bocas (gastronômicas, claro- é só convidar): num simples fim de semana podemos transitar entre uma churrascaria, com um belo espeto corrido, um chazinho de bebê supervegetariano e um jantar árabe feito em casa. Topamos todas, ou melhor, quase todas.

Esse post não é uma apologia à carne vermelha (afinal somos bem democráticos gastronomicamente falando e a hora dos vegetarianos vai chegar aqui n’Os Estrangeiros, pode crê), e sim uma homenagem ao povo do pampa.   A seguir, ovelhas sendo carneadas em uma estância em Quaraí.

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Fotos e texto: Thais Brandão

Não tá morto quem peleia

Na edição #14 da revista O Dilúvio, os Estrangeiros mais uma vez deram as caras. Abaixo, a matéria.

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Em meio à euforia da “volta do vinil”, um dos maiores colecionadores de discos do Brasil mora em Porto Alegre, vive da marcenaria e de outros bicos, mas não está ligando muito para tudo isso.

Vilmar Cunha me esperava às nove da manhã, com treze mil discos, dois copos brancos de gelo e uma lata de cerveja no congelador. Não se trata de um colecionador de discos à la Tinhorão ou Ed Motta, muito menos de um bebum: a lata só descansava solitária na geladeira por puro senso de bom anfitrião, e os discos só estavam lá porque… porque, sei lá, porque é bom ouvir discos. Há duas semanas liguei:

– Seu Alexandre, não pode vir agora, me dá uns dez dias pra arrumar as coisas.

Tudo deveria estar impecável. Tudo estava impecável. Também pudera:

– De gente estranha, o senhor é o único que entrou aqui pra ver meus discos…

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Privilégio de quem trabalha n’O DILÚVIO. A gente ganha pouco, mas vive muito. Mas chega de auto-publicidade, o que interessa é que Vilmar tem uma coleção de bolachões que supera as dez mil unidades do lendário Kid Vinil, e está se aproximando dos 20 mil itens de Ed Motta. Não é nenhum estudioso de música popular, não trabalha no meio musical, nem está atrás de raridades para guardar ou exibir aos amigos, muito menos acessa a internet para acompanhar os lançamentos da indústria gringa. Ele empresta os discos a apenas um conhecido, um companheiro de viagens e outras estripulias que Vilmar apronta aos 58 anos. Volta e meia o cara pega emprestado um disco do Roberto Carlos, mas sofre a vigilância constante do colecionador, que tem uma relação quase paternal com as treze mil crias. “Eu fiz um cartão escrito ‘compro e vendo discos’, mas na verdade eu só compro, sou apegado a eles”, explica ao mostrar seu cartão pessoal impresso em duas faces: de um lado Vilmar marceneiro, do outro, Vilmar colecionador de discos.

O marceneiro começou a colecionar vinis há aproximadamente uns quinze anos, quando começou a fazer fretes com uma kombi que tem até hoje. Ganhava discos dos clientes que estavam migrando para o cedê e ia guardando tudo. Começou também a comprar. “Mas o que tu curte mesmo, Vilmar?” Música tradicional mexicana, Agnaldo Timóteo, Elvis Presley, Teixeirinha, Roberto Carlos, Altemar Dutra, Trini Lopez, duplas sertanejas antigas, todos aqueles grandes cantores dos anos 60 e 70. Chega a ser deliciosamente curioso o modo como ele simplesmente ignora qualquer rótulo ou gênero musical, apenas ouve artistas que gosta e vai conhecendo outros porque tem o coração aberto a toda musicalidade que lhe cai nas suas mãos.

Galena com um prego na ponta

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Envolto por paredes cheias de discos novos vindos do hemisfério norte, Getúlio Costa tem uma importante loja de vinis na capital. Sua “Boca do Disco” é uma vitrine do que acontece pelo mundo na tão apregoada “volta do vinil” que Vilmar já disse ter ouvido falar: discos em sua maioria novos, com preço médio em torno de R$ 80, a maioria deles pesando 180 gramas, o que garante durabilidade e aviva o som dos graves, coisa bem diferente dos vinis que estávamos acostumados a encontrar no Brasil quando essa era a mídia padrão da indústria musical. Lojas virtuais como a Amazon têm dedicado sessões especiais só para os bolachões, tendência que a Livraria Cultura seguiu no Brasil. Além disso a maioria das bandas gringas têm lançado seus álbuns nesse formato, assim como Lenine, Ed Motta e Los Hermanos fizeram por essas terras.

Natural de Butiá, município localizado a 78 km de Porto Alegre, Vilmar veio para a capital aos dezessete anos. Sonhava com a vida agitada da metrópole. Trabalhou em várias lugares e em várias funções, na Borregard de Guaíba, em hotéis do centro, em uma empresa que instalava painéis luminosos, entre outras. Resolveu então aplicar o que tinha aprendido em marcenaria com seu primeiro sogro, e passou a trabalhar como autônomo, mas sentiu a fome chegar bem próxima até conseguir um círculo de clientes fiéis. Autodidata por natureza, foi aprendendo de tudo um pouco, hoje se orgulha ao dizer que faz “tudo numa casa”, é aquele cara que tu pode chamar pra arrumar desde o cano do teu chuveiro até a fiação elétrica da tua casa. “É tudo feitio meu”, vai dizendo Vilmar ao apresentar seu trabalho por todos cômodos: o fogão a lenha, as paredes, os azulejos colocados no capricho, a serpentina que leva água quente para o banheiro, as máquinas com que trabalha a madeira, as grandes estantes transbordantes de discos…

Mas Getúlio emenda: “não adianta o cara estar com uma galena em casa com um prego na ponta e querer qualidade”. Sim, nada é tão simples no mundo do vinil. Esse retorno que traria, em tese, mais qualidade sonora aos nossos ouvidos, depende da boa prensagem do vinil e também de aparelhos que possam reproduzir com fidelidade a música gravada nos sulcos. Como resume o professor de física da UFRGS, Ricardo Francke: “se você quer um bom aparelho de som vai ter que pagar, e, para um dado preço, o cedê é de melhor qualidade que o elepê”.

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Tendo a mesa de toca-discos como ambiente de trabalho, DJ Anderson, da banda Ultramen, sabe bem disso. De suas pick-ups, consegue retirar tudo o que o vinil tem para dar: “no áudio, a equalização dele é mais definida, principalmente os graves, ele preserva toda qualidade de som que eu busco na hora da gravação”.

Para diferenciar, em termos físicos, os vinis dos cedês, contamos com o depoimento esclarecedor do professor Francke: “O sinal de áudio que desejamos arquivar num cedê é amostrado 44100 vezes por segundo. Cada um desses valores é digitalizado com 8 bits. Isto quer dizer que um voltagem D é escrito aproximadamente por D = b0x2+b1x2+b2x4+b3x8+ b4x16+b5x32+ b6x64+ b7x128. Observemos que o menor valor é 0 com todos os b0=0, b1=0 b2=0, etc. E o maior valor que podemos escrever é 255 com b0=1, b1=1, b2=1,….e b7=1. O que acontece, então, se o valor que queremos representar é 66,23. Neste caso os 66 podem ser escritos como 2 + 64 isto é b1=1 e b6=1 e todos os outros b igual a zero. Mas o que acontece com o 0,23? Ele é perdido. No caso do elepê, a agulha vibra com a freqüência do sinal de áudio. Essa vibração é captada eletricamente e amplificada.” Entendeu? Eu também não. Mas sente com Vilmar e deixe ele colocar qualquer um dos seus discos em qualquer um de seus onze toca-discos e você vai sacar tudo no ato.

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Fotos: Thais Brandão e Ale Lucchese

Texto: Ale Lucchese e Glauber Winck

De kombi até o México

As fotos do post de hoje são da coleção da Pati, amiga d’Os Estrangeiros que ficou mais de um ano e meio na estrada pela América Latina. Patrícia Dias embarcou na kombi com seu companheiro e saiu de Porto Alegre sem roteiro em dezembro de 2007. Voltou em agosto de 2009, indo desde Ushuaia – ponto mais ao sul do continente – até o México.

Esses são instantâneos de quem esteve na estrada em busca de maneiras de viver e ver a vida de maneira mais livre e solidária. E o nosso continente parece estar cheio de exemplos. Vamos descobrir a América.

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Texto: Ale Lucchese
Fotos: Patricia Dias

Acampando na arca

Ontem teve o lançamento da décima quinta edição da revista O Dilúvio. Rangos,  chopps, cachacinhas da Tia Chica, Tonhos Croccos, Zumbiras, Jorges Bens, Tins Maias, e Tiagos Jucás: foi tanta água que meu boi-bumbá quase virou vaca. Segue aí a contribuição d’Os Estrangeiros nessa máfia toda:

O inverno não é o inferno

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Acampar uns dias na serra gaúcha ou qualquer outro lugar frio só tem um incômodo: tranqüilizar e convencer todo mundo – às vezes até os próprios donos dos campings – de que você não vai morrer de hipotermia. De resto, não vai se incomodar com coisa alguma; desde que, é claro, você leia esta matéria até o final.

O lance é que é muito fácil se organizar para usufruir de benesses como passar um fim de semana em um camping arborizado, em frente a um lago e com o silêncio entrecortado do canto dos pássaros por um décimo do preço da diária de um hotel com as paredes mofadas e com janelas que tremem toda vez que um ônibus passa debaixo delas.

Mas o que é preciso para conquistar esse paraíso? Em primeiro lugar, uma barraca. Uma iglu com varetas de fibra de vidro é super fácil de montar, relativamente leve, e não te deixa na mão. Modelos mais caros agüentam vendavais e dilúvios; mas, para encarar condições metereológicas nem tão extremas, não precisa esvaziar tanto os bolsos. Fique atento às previsões do tempo, se fenômenos como ventos de 100 km/h estiverem previstos e você não conhece bem seu equipamento, adie a viagem ou ao menos arme seu canto perto de uma parede, garantindo um pouco de proteção.

Para o friozão, o uso de sacos de dormir é imprescindível – a não ser que você tenha um porta-malas enorme para encher de cobertores. Não confie tanto na escala de temperatura que os sacos apontam. Uso um saco que agüentaria até 15ºC negativos, mas isso só quer dizer “você não vai morrer quando bater os -15ºC”, não quer dizer que você vai ter conforto nessa temperatura. Mas, bem agasalhado, até o zero grau é bem bom.

Outra dica fundamental: sacos nem cobertores funcionam sozinhos. É preciso usar isolantes térmicos no chão. Se o frio não é muito extremo, até uns 10ºC, é possível usar um colchão inflável; mas, apesar de menos confortáveis, os isolantes de EVA são baratos e não deixam o frio do solo invadir tuas costelas.

Caras e minas, tudo isso cabe numa boa mochila. Vai. O mundo é teu.

Foto: Thais Brandão
Texto: Ale Lucchese

Viagem na TV

Confesso que não assisto muita televisão.  Não por que não gosto. Adoro. Mas o  problema é justamente esse. É bom demais.  Começo a ver um programa no GNT, então termina e eu coloco no Discovery, que quando vai para os comerciais eu troco para o Animal Planet até que me dou conta que está na hora dos Simpsons na Fox, depois do E.R na Warner e então me dou conta que já se passaram horas e horas e eu ali, na maior inutilidade, como se não tivesse nada para fazer.  Hoje então eu evito a maldita, passo reto, nem olho, senão é batata: esparramo meu corpinho no sofá e não saio tão cedo.

Mas tem programas que não tem jeito, eu me permito porque valem a pena. No momento atual (pré-viagem) são bem úteis, fornecem informações  legais além de serem bem divertidos.

Um deles é o “Vai Pra Onde?” (Multishow -TV a cabo), apresentado pelo hawaii01Bruno de Lucca (aquele guri da Malhação nas antigas). Cada episódio se passa em um lugar diferente onde são mostradas as coisas mais legais para se fazer, sempre indicadas por nativos ou pessoas que moram no lugar faz um bom tempo. No final sempre aparece a contabilidade da viagem, quanto foi gasto com passagens, hospedagem, alimentação, passeios, noitadas, etc.

Outro que gosto é “Lugar Incomum” (Multishow) onde uma mina (Érika Mader) desvenda Nova Iorque, a cidade mais batida de todas. Vai a lugares que as pessoas, mesmo quem já foi pra lá,  não conhecem. Bem massa. A cidade é sempre a mesma, mas os lugares desvendados sempre bem diferentes. Vale assistir.

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13_1915-Mehinaku2O “Pé no Chão” (também no Multishow) estreou essa semana e já mostrou ser um programa que merece, ao menos uma única vez, ser conferido. Nele, Daniele Susuki convive com diferentes tribos indígenas do Brasil, integrando-se à vida local: toma banho de rio sem roupas, ajuda na caça e no preparo de alimentos e por aí vai. Como nem tudo são flores,  a japa acaba sofrendo com a diferença cultural, como quando acompanhou uma caça a macacos. Chorou como criança. Fazer o quê, agruras da profissão.

Texto: Thais Brandão

A travessia iluminada de Gary Snyder

Acontece que talvez nenhum de nós conhecesse Gary Snyder se ele não escrevesse versos e fosse um dos grãos de pólen dando cotoveladas até desabrochar o grande girassol que se tornou a cena cultural de São Francisco nos anos 1950. Na verdade, apenas um ano bastou para tornar Snyder um dos vagabundos mais conhecidos do planeta. Foi em 1955 que ele conheceu Jack Kerouac – a entidade que escreveu On the road – e foi até 1956, que eles viveram todas as iluminações que Kerouac publicou em The Dharma bums – algo como “Os vagabundos do Dharma”, mas que saiu no Brasil como “Os vagabundos iluminados”.

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Nas páginas de Kerouac, Snyder ganha o nome de Japhy Ryder. Snyder/Ryder é um jovem estudante de chinês clássico na Universidade de Berkeley, e que também escreve versos e estuda literatura inglesa. O rapaz tem 25 anos, uma bagagem enorme de leituras, conhece grande parte dos Estados Unidos viajando de carona, já foi lenhador e guarda florestal. Além disso, é filho de anarco-sindicalistas, sabe tocar um hinário anarquista no violão, e apóia qualquer manifestação política de esquerda, apesar de não acreditar em nenhuma delas: quer mesmo é fazer balançar até cair o way of life que vem se estabelecendo no pós-guerra.

Todas essas facetas já comporiam um grande personagem, mas guardo aqui nesse parágrafo o componente mais incendiário: Snyder é um zen-budista. Quando Kerouac nos faz sentar com Japhy Ryder para tomar um vinho barato e ler as traduções que está fazendo do poeta Han Shan, é perceptível que Ryder/Snyder não está traduzindo apenas versos, mas um modo de vida inteiro diverso do tecnicismo que o pós-guerra acelerava. Snyder dinamitava qualquer engrenagem técnica que estava estruturada ou se estruturando na cabeça de quem aceitasse sentar com ele no chão para tomar uma xícara de chá.

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Ryder/Snyder ia em busca de si mesmo escalando montanhas, vivendo de maneira harmonizada com o meio em seus exílios pela natureza selvagem. Tal como Han Shan escrevia seus versos em pedras e cavernas no século IX, o vagabundo iluminado fazia enormes mandalas de neve ou de arbustos, invocava mantras e praticava meditação zen entre um dia e outro de caminhada pré-organizada. Organização é tudo quando se está sozinho, dependendo apenas das próprias pernas e com pouca comida em um ambiente selvagem: um cálculo errado pode significar a morte. O auto-conhecimento de Snyder quanto às suas necessidades e o respeito pelo espaço em que se encontra fazem qualquer papo sobre “sustentabilidade” parecer balela. As jornadas do poeta nos ensinam a amar e fazer parte do mundo, e não a gestar seus recursos de maneira que a exploração possa continuar por mais tempo.

Canto para sonhar

“Os vagabundos iluminados” acompanha Snyder até sua partida em um navio para seus oito anos de treino formal zen no Japão, em 1956. O poeta retorna no fim dos anos 1960, com esposa e filho, estabelecendo-se em uma fazenda ao pé das montanhas no norte da Califórnia.

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Tão artesanal quanto sua morada, a poesia de Snyder toca fundo alguma coisa que ainda pulsa em nós de espontâneo e primitivo. Seus temas vão desde um simples banho no filho a uma possível harmonização da cultura dos índios americanos com a invasão européia. Também escreve ensaios sobre etnopoesia, zen-budismo, meio ambiente, e tantas outras coisas. Seu livro Turtle Island, de 1974, foi premiado com o Pulitzer de poesia.

Apesar de ter mais de duas dezenas de títulos lançados, são escassos seus materiais com tradução em português. A maioria deles leva mais em conta o lado ensaísta de Snyder, em detrimento do poeta. Recentemente a Azougue Editorial lançou uma coletânea com seus poemas e ensaios, intitulada “Re-habitar”, mas nada de livros completos por essas bandas.

Outras travessias

“Os vagabundo iluminados” foi lançado em 1958, e contribuiu para que o poeta fosse elencado até hoje na lista dos expoentes da geração beat. Snyder não acha isso ruim, mas esclarece que teve pouca participação nas loucuradas libertárias daqueles anos em São Franciso, e que só manteve maior contato com Allen Ginsberg depois dos anos 1950, na medida em que crescia o interesse de Ginsberg pelo zen.

Ginsberg foi quem escreveu Uivo, o poema, digamos, “de estréia” da geração beat. Uivo se configurou como uma espécie de manifesto de alguns iluminados de uma geração que queria qualquer coisa, menos uma família americana, uma casa com calefação e um forno elétrico. Queriam uma vida que pulsasse, e não a acomodação do “pesadelo com ar-condicionado”, como Henry Miller iria definir com precisão em outro momento.

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Em Back on the fire, lançado em 2007, um Gary Snyder com 77 anos conta como recebeu, a notícia de que Ginsberg estava falecendo em um hospital, vítima de câncer no fígado, em 1997. Ele conta com a simplicidade que só cabe aos poetas como Ginsberg “atravessou” a vida do coma para a morte, do mesmo modo que “o dia anterior a ontem atravessou as montanhas lá longe – no cheio florescer das cerejeiras”. É desse modo que Snyder atravessa a vida.

Texto: Ale Lucchese
Fotos: Thais Brandão